O Memorial do Povo Indígena foi idealizado para ser parte integrante do projeto de revitalização do Parque das Hortênsias, antigo zoológico de Taboão da Serra. O pavilhão estruturado em madeira homenageia às arquiteturas e culturas indígenas do Brasil com suas formas orgânicas de se estabelecer, cuidar, ser e estar.
Em 2016, por determinação do Prefeito, o Parque deixou de ser zoológico com a transposição cuidadosa dos animais. Foi estipulado pela Prefeitura Municipal que em 2019 o equipamento público com 48.000 m² de exuberante mata, nascentes, corpos e cursos d´água passassem por um zeloso processo de revitalização.
A motivação para a implementação do Memorial se deu também a partir da oportunidade de aquisição do acervo particular do extinto “Museu do Índio” instalado na cidade de Embu das Artes, que conta com o total de 600 peças.
Uma maior aproximação de um povo com as suas tradições constitutivas, e principalmente, com as suas matrizes ancestrais é importante por uma série de questões. Conhecer e acessar nossas origens também são fatores determinantes para o reconhecimento e entendimento de nossa identidade com generosidade, nos dotando também de uma maior compreensão das múltiplas facetas dos nossos cotidianos culturais.
Ocupando uma área que antes fora jaula de animais, o casco principal que reveste o espaço é estruturado com conexões trianguladas remetendo aos grafismos presentes na natureza e desenhados nos corpos e mobílias indígenas brasileiros. O grande vão definido pela então cobertura arqueada remete à oca: espaço construído simples, mas não simplista, que é utilizado de forma diversificada e coletiva.
Tratou-se de uma busca por um espaço de encontro, abertura, de uma promoção respeitosa de diversidades. Por isso a escolha pelo espaço fluido ao térreo e pelo estabelecimento de uma nova relação com o natural e construído: o parque e o logradouro público circunvizinho.
Acessado pelo interior do Parque das Hortênsias, o pavilhão do Memorial do Povo Indígena é um espaço fluido instalado no limite entre parque e rua que o circunda. A construção vence o arrimo que limita o parque, conformando com sua cobertura uma praça no alargamento da calçada à rua de cima. Aberto à mata densa e às vias de circulação do parque, o espaço integra cidade e parque, ambiente construído com natureza e com naturalidade.
O espaço térreo é fluido e simples, marcado por três elementos principais: a área administrativa e técnica colada ao muro de arrimo lateral, o espaço circular rebaixado em forma de pequeno anfiteatro e, o redário, conformado pelos pilares que sustentam o salão de acervo - caixa retangular suspensa a um nível intermediário entre o parque e a rua.
O redário cria um espaço de descanso, convívio e contemplação que favorece o ato de pensar. Como é comum em diversos exemplos de ocas tradicionais, as redes serão penduradas nos próprios pilares presentes no espaço em questão, que também funcionam como apoio para painéis de exposição.
Já o pequeno anfiteatro, conformado pelo leve rebaixamento em forma circular do piso térreo, será contemplado com mobiliário constituído por caixotes leves e modulares, que podem ser movidos para compor diferentes cenários, cria condições para que uma infinidade de atividades ocorra, como palestras, reuniões e apresentações.
Trata-se de um espaço educador que estimula o pensar, o fazer e o descobrir. A arquitetura foi concebida de modo a estimular a circulação e visão do usuário por diferentes pontos da edificação e ao seu redor, fazendo da visita uma experiência de exploração e descoberta.
As áreas destinadas ao acervo serão vedadas em suas laterais pela técnica da taipa - outra manifestação cultural característica das culturas populares brasileiras, e aberta na face superior, portanto, coberta apenas pelo casco e pelo céu, que por sua vez visita o interior da construção pela película transparente que dá passagem livre para a luz das estrelas.
Uma abertura no ponto mais alto e central do pavilhão, cruza a edificação longitudinalmente, acompanhando às vigas invertidas que sustentam a linha mais alta ao centro do pavilhão.
Para este pequeno mundo projetado no Parque, o Museu, recolhemos as águas das chuvas e a energia do Sol para reutilizá-las. Tanto a cisterna (reservatório de águas pluviais) quanto as placas solares fotovoltaicas ficarão na cobertura do bloco de área administrativa e técnica: acima do salão expositivo.
Elementos construtivos
Os pilares, o casco que cobre o pavilhão e toda a estrutura será construída em madeira. Optamos por utilizar para a construção dos pilares a madeira provinda dos eucaliptos que são podados nas dependências do parque para não atrapalhar a flora nativa. O madeiramento do casco, assim como o deck e o piso superior serão feitos com madeira de demolição como dormentes e cruzetas.
Conectores metálicos unem as peças de madeira umas às outras formando um casco com estrutura triangulada onde o número de conexões é determinante para a resistência da cobertura - peças esbeltas quando conectadas são capazes de formar uma estrutura bastante resistente ainda que delicada quando associadas em rede. Também foram incorporadas peças metálicas para realizarem a transferência da carga para os pilares maiores.
A cobertura, constituída por telhas do tipo shingle, são locadas sobre a camada de impermeabilização que será revestida internamente pelo forro de palha. O piso, em cimento queimado elaborado e colorido com base de terra confere unidade e conforto ambiental ao pavimento térreo. A cor natural dos solos que pisamos: cor inicial de todo espaço natural.
Os pilares externos, voltados à via do parque, recebem a carga proveniente dos grandes beirais que abrem a construção para a vista da mata, configurando a fachada da edificação. Já os apoios centrais se amarram entre si por meio de uma grande viga invertida com configuração espacial. Concomitantemente faz-se o mirante: as vigas, aqui, são também guarda-corpos.
Junto ao muro de arrimo, os pilotis se comportam tal qual árvores: distribuindo a carga de diferentes pontos da cobertura por seus nós e ramificações que convergem em uma única peça de secção retangular - o caule - que descarrega na terra através da fundação - suas raízes. Assim como as árvores o pilar vai crescendo e se alargando conforme se sobe o olhar e sustentando a oca, a praça e o jardim vertical.
Sobre metade a cobertura do “recinto de saberes ancestrais”, está o piso da praça mirante que se conecta à calçada, ampliada pela cobertura do Memorial - uma continuidade do logradouro que se estende como um deck sobre o parque. O arco da oca recosta e se estrutura junto ao arrimo de gabião. Quem passa pela rua recebe o convite ao olhar: ao se apoiar no muro de arrimo, a cobertura do Museu ajuda na segurança do terreno e estabelece uma nova relação entre espaços públicos de passagem, antigas jaulas e novas possibilidades: o museu é, de fato, o mundo.
Quem avança no alargamento da calçada pertencente à rua que circunda o parque pode se admirar por diversos fatores: a bela vista para a mata e paisagem estabelecida pelo parque que desce em forma de vale na direção do olhar, e para o acervo do museu, se olhar para baixo, uma vez que o rasgo no teto da oca, sobre a caixa suspensa do acervo, coincide com o guarda-corpo da praça mirante na rua de cima.
Conclusão
O museu, como o quer a aldeia e a cultura indígena como um todo, é coletivo e parte integrante do ambiente. É, portanto, usufruto e cuidado de todos: se exibe para a rua e quem quiser contemplar. Fazendo-se vitrine cultural, então, o projeto integra o “museu do mundo” de Oiticica e de todos e todas nós.
O Memorial do Povo Indígena é uma proposta que, além de oferecer uma aproximação com a cultura indígena brasileira para moradores da região e outros visitantes, possui conteúdo que agrega conhecimento, possibilitando um suporte educacional para a abordagem de professores das diversas redes de ensino e pesquisa.
Não obstante ao enriquecimento dos processos de formação e difusão cultural e educacional implícito na proposta, o projeto também salienta e fortalece a enorme importância regional do Parque das Hortênsias em termos ambientais, infra estruturais e culturais por estabelecer e potencializar os encontros e a diversidade ali pungentes. O parque então, manifestaria ainda mais fortemente o seu potencial ecológico e multiplicador: modelo de provisão e preservação de entendimento, generosidade e lazer a todos.
Ficha técnica
- Nome do Projeto: Memorial do Povo Indígena
- Escritório: Grupo Palha e Permacultoras Coletivas
- Ano de conclusão do projeto: 2020
- Área total: 680m²
- Localização do projeto: Parque das Hortências – Taboão da Serra, SP
- Arquiteta Líder: Talitha Rodrigues Nogueira
- Arquitetos Responsáveis: Talitha Rodrigues Nogueira, Andréa Conard Muscat
- Clientes: Prefeitura Municipal de Taboão da Serra